Uma visão das artes em Minas

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Uma visão das artes em Minas.Yara Tupynamba
Yara

Yara Tupinambá quando aluna de Guignard em seu atelier.
O processo civilizatório mineiro se iniciou em 1700, quando a descoberta do ouro provocou o povoamento no centro do Estado e o surgimento de numerosas vilas, que nascem e crescem com características específicas urbanas: as igrejas colocadas em pontos estratégicos, normalmente em praças, as ruas com casas e sobrados unidos e elementos arquitetônicos grandiosos como as Câmaras Legislativas, as casas de fundição, as cadeias públicas.
Junto a esse desenvolvimento urbano surgem as primeiras manifestações de arte. Inicialmente, através dos mestres artesãos portugueses que para aqui vinham decorar as igrejas. Depois, por meio da aprendizagem dos artífices mineiros que, com os mestres, aprendem a talha, a pintura decorativa, a douração, a feitura dos santos e objetos de culto religioso.
Durante todo o Séc. XVIII a atividade artística, como fruto de uma sociedade de mineradores, rica e poderosa, cresce e forma suas características próprias, dando origem a um barroco mineiro sui-Generis, acrescido das visões pessoais dos artistas.
Obras de Manoel da Costa Atayde, Joaquim Gonçalves da Rocha, José Soares de Araújo, Mestre Piranga e Antônio Francisco Lisboa povoam nossas capelas e igrejas.
A decadência das Minas, a partir de 1760, com o esgotamento do ouro de aluvião e o movimento da Inconfidência Mineira, terminou com a deportação dos inconfidentes e o enforcamento de Tiradentes. Fechou-se, assim, o ciclo de produção artística que tem sua última manifestação no complexo de Congonhas do Campo, onde capelas com cenas da Via Sacra e profetas monumentais dialogam com o silêncio e o medo que perpassaram pelas montanhas de Minas.
A presença de Dom João VI no Brasil, a partir de 1808, e a vinda da Missão Francesa, trazendo o estilo Neo-Clássico e o desenvolvimento para o Rio de Janeiro, acabou, de vez, com a ebulição econômica e cultural de Minas do Séc. XVIII. Foi preciso esperar pelo início do Séc. XX para que a construção de Belo Horizonte trouxesse nova perspectiva econômica para o Estado. As primeiras manifestações de arte aqui surgiram com os artífices italianos, que vinham decorar varandas e salas das melhores casas localizadas nos bairros Funcionários e Centro, pinturas que foram, infelizmente, perdidas pela destruição imobiliária.
A partir de 1920, surgem em Belo Horizonte artistas que aqui trabalharam e expuseram como Alberto Delpino, Honório Esteves, Amilcar Agretti, Renato de Lima, Genesco Murta.
Mas foi Aníbal Mattos que movimento a vida cultural da cidade, criando exposições pessoais e de outros artistas, os salões oficiais, a primeira escola de arte e fomentando o interesse pelas pesquisas arqueológicas nas grutas de Lagoa Santa.
A preocupação do Prefeito Juscelino Kubitschek em modernizar Belo Horizonte, a partir dos anos 40, como meta de governo, inserindo seu pensamento desenvolvimentista em uma Minas ainda muito fechada em seus rincões interioranos, volta-se para a criação do complexo da Pampulha com as primeiras manifestações de arte moderna, na cidade ,através das obras de Portinari, José Pedrosa, Cheschiatti, Zamoiski e Paulo Werneck.
Outra realização de Juscelino foi a vinda de Alberto da Veiga Guignard para a criação de uma escola de arte, assim criando, através da visão renovadora do artista, um novo momento divisor de águas.
Duas gerações são então formadas pelo mestre; a primeira de 44 a 54, formada por jovens artistas então preocupados em quebrar os parâmetros acadêmicos ensinados por Aníbal Mattos. Influenciados pelas correntes abstratas apresentadas na 1ª Bienal de S. Paulo os jovens artistas se encaminham para a abstração, seja Maria Helena Andrés, que vai de pesquisas geométricas até atingir uma abstração lírica, seja Mario Silésio e Amilcar de Castro, buscando a geometria, seja Heitor Coutinho procurando uma síntese de formas na linha cubista. Também Farnese de Andrade se inclui nesta geração, transformando sua obra na busca de um mundo lírico, onde mistura o Rio, através de detritos encontrados à beira mar, com Minas, através de suas gamelas e oratórios rudes, originários de nosso interior.
A segunda geração, que se forma sob a influência de Guignard, vai de 54 a 62, período turbulento, no país, com reivindicações sociais e políticas que a influenciam profundamente. Chanina, Álvaro Apocalipse, Jarbas Juarez, Vicente Abreu, Sara Avila, Wilde Lacerda e Yara Tupynambá buscam, em seus trabalhos, a reafirmação do povo, em suas manifestações nas festas populares, no trabalho, no campo e nas atividades urbanas. São reivindicações de aspectos sociais, condizendo com a preocupação da busca de um perfil de nossa brasilidade. Esta geração vai criar e estruturar as escolas de arte, ajudar na formação das galerias e estender sua influência aos artistas de outros núcleos, como Montes Claros e Juiz de Fora, de onde surge uma nova geração, a partir dos anos 70, dela fazendo parte Carlos Bracher, Fani Bracher, Ivan Marquetti, Herculano Campos, Konstantin Christoff, Inimá de Paula e Mario Marino, entre outros, no mesmo período.
Mas ambas as gerações, formadas por Guignard, de conceituações tão diversas, tem dominadores técnicos em comum, vindos dos seus ensinamentos: uma pintura de transparências e superposições de finas camadas de tintas, criando novos tons, e a busca do uso da linha, criando elementos decorativos sobre as manchas pictóricas, o que une e caracteriza os alunos por ele formados.
Paralelamente, aparece uma notável geração de escultores que trabalham com a madeira. De origem popular, digerem a herança barroca de uma forma extremamente pessoal como Francisco Fátima, Mauríno Araújo, Cláudio Gerias e Humberto Araújo, contrapondo-se à obra densa de significantes de Paulo Laender, com uma visão extremamente estética, mas saída das mesmas fontes artísticas do século XVIII.
Novas linguagens surgem a partir dos anos 80/90 na pintura de Miguel Gontijo que se apropria e deglute figuras e formas de artistas já consagrados pela história, misturando-as com símbolos do nosso cotidiano.Também Maria Amélia Guimarães vai buscar uma outra linguagem no uso de novos materiais, bordados elaboradíssimos do Jequitinhonha somados às figuras sacras de “Santinhos” que inserem em seus trabalhos.
A permanência de uma pintura elaborada e complexa permanece com Leo Brizola que evoca figuras do cinema antigo misturadas a animais e seres mitológicos, assim criando um clima onírico que caracteriza sua linha de trabalho.
Manifestações de contemporaneidade como perfomances e instalações vem acontecendo, através do trabalho das novas gerações mas, foi certamente através dos artistas das gerações anteriores que Minas manteve sua tradição artística, dando uma base para que outras gerações também pudessem se expressar e abrirem estradas aos que agora vem vindo, em um novo tempo, neste milênio que ora se inicia.

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