Exposição ALMANAQUE - pinturas de Miguel Gontijo na Casa Fiat de Cultura



(...) “pensei: se eu não tivesse me lembrado de que a frase não era minha, ela seria minha?
pensei: é um plágio se ninguém nota?”
(Ana Martins Marques)


Os almanaques datam com a invenção da imprensa, e seus primeiros redatores eram médicos e astrólogos. Serviram para disseminar ideários políticos, religiosos e interesses específicos, como em 1770, quando propagaram ideias revolucionárias na França, ou, após a primeira grande guerra, quando serviram como instrumento expansionista, divulgando e afirmando o poder e a cultura norte americana, sobretudo para a América Latina. Suas formas de apresentação diferenciavam-se de acordo com o público que queriam atingir: poderiam ser folhetos para a população rural, ostentosas revistas para o público burguês, folders para distribuição em massa e outras.  

O primeiro almanaque amplamente conhecido no Brasil foi o Pharol, patrocinado pela Drogaria Granato, do Rio de Janeiro, em 1887. O Almanaque Biotônico Fontoura foi elaborado e ilustrado por Monteiro Lobato, em 1920, transformando o personagem Jeca Tatu em símbolo de uma época e de um povo. Os almanaques de farmácia, por serem gratuitos e de grande acesso, foram muito utilizados por médicos, educadores, sanitaristas e intelectuais, grupo de pessoas interessadas em mudar a nossa realidade rumo ao progresso.

Esta exposição não só fala em almanaques, como tenta “inventar” um exemplar, levando em conta a memória, o saber popular e as histórias cotidianas do homem de hoje. Não mais um homem atrelado ao saber da terra, mas sim um homem perdido no excesso de informações. Enquanto o velho almanaque assume o papel de um espelho do mundo natural, o almanaque desta exposição reflete um mundo artificial e caótico.

Grande parte das pinturas apresentadas são apropriações de imagens coletadas na internet. Há de se interrogar por que esta tendência em reviver a partir da obra de outros autores. Acredito que essa é uma forma de me sentir parte de uma cadeia, em busca de identidade. Essas imagens não são apenas citações, e sim uma “certidão de posse”, de identificação. Talvez uma farsa explícita, como se eu estivesse “corrigindo” e desviando essas imagens do seu estado natural. É como se eu copiasse a aura das imagens que vejo, gerando um movimento não linear, de contrapontos e contrastes, em que a harmonia criada não esconde sua artificialidade.

Miguel Gontijo 


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E é tudo pintura
"It's all true" - Welles, 1941

Miguel Gontijo trafega na arte como um motorista que conhece profundamente as regras do trânsito, mas faz questão de ignorá-las, especialmente “sentido obrigatório”, “parada proibida” e “mão única”. 

Num mundo cheio de regras, até do ato transgressor espera-se um padrão, uma tendência, um rito. Pois Miguel transgride a transgressão e não está nem aí para os modos estabelecidos de transgredir.

Diferentemente de tantos que, como ele, formaram-se dentro da contracultura, o seu domínio da cultura estabelecida já o fazia transgressor, então.

A banalização da informação, marca de nossos tempos eletrônicos, pressiona por liquidificar o saber, criando a aparência de tudo poder-se alcançar com a googlagem fácil e traidora. Daí, penso eu – Miguel não me disse isso – é que advém este Almanaque que aí está: para mim, Miguel se diverte muito com aquilo que nossa geração chamava “cultura de almanaque” e que agora se potencializou por quatro, oito, dezesseis gigas.

A Casa Fiat de Cultura está feliz por ser cúmplice de Miguel Gontijo.

José Eduardo de Lima Pereira
Presidente da Casa Fiat de Cultura


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A pintura de Miguel Gontijo sugere, numa primeira vista, um almanaque, uma menção de motivos, símbolos, formas e ações isoladas.

Mas, se olharmos mais atentamente, numa segunda vista, se percebe uma diferença profunda. Enquanto um almanaque tem por base, por sentido, uma cronologia dos assuntos como princípio de ligação, a pintura de Miguel Gontijo é uma composição de assuntos, ações, acontecimentos, marcas, formas intertemporais tornando o resultado um enigma.

O enigma parece estranho; cenas antigas se misturam com objetos atuais. Tabus sexuais são banalizados. Tabus religiosos são confrontados com o existencialismo. Marcas e nomes do modernismo complementam ações, cenas surreais. Violência, corpos abertos, estribos expostos convivem com indiferença, devoção e espiritualidade. E sempre no meio: a lâmpada do Picasso. O mictório do Deschamps, o Super-Homem e uma escrita ilegível.

Cadê a ligação entre os motivos? Cadê o sentido? O que quer o artista dizer, conectando o não ligável?

A pergunta que não cala na cabeça do espectador do quadro: Como ler este enigma, ou, será que é um enigma?

Manfred LEYERER
Vallourec Tubos do Brasil S.A.


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Deparei-me com quadros de Miguel Gontijo. No primeiro instante havia somente símbolos e escritas sem textos. Um detalhe chamou minha atenção: era a figura do herói Fantasma e seu cachorro Capeto. Meus pensamentos mergulharam em profundas lembranças do passado, quando eu procurava nas bancas por revistas de heróis como o Fantasma, Super-Homem e até mesmo gibis do Superpateta, o herói trapalhão que adquiria superpoderes ao engolir um amendoim. Durango Kid, o mocinho que dava cem tiros de uma vez. Bons tempos aqueles com histórias inocentes e simples. Meu olhar desviou-se um pouco e encontrei símbolos da cabala e astros e lembrei-me de Omar Cardoso, o famoso astrólogo. Reconheci um desenho da “Folhinha Mariana” e minhas lembranças voltaram-se para a casa de minha avó, onde santos e terços dividiam espaço com uma “Folhinha Mariana”  que era religiosamente consultada, até mesmo para cortar os cabelos e saber das chuvas de março. Lembranças dos velhos almanaques de “pharmácia” voltaram à minha mente, com humor, propagandas de Emulsão Scott, Xarope Vick e textos de política e ciências. Não havia televisão e internet e nada era globalizado. Percebi, em um instante, que os símbolos, escritas, tudo se tratava de minhas recordações, minhas memórias, e as escritas contavam minha história.

Levando em conta as emoções que as pinturas de Miguel Gontijo me causam, saí em busca de um espaço para tornar público esta importante exposição. A arte contribui para estreitar laços e para a compreensão do nosso país na sua imensa diversidade cultural. É necessário às Artes Plásticas o estímulo sistemático ao exercício e ao debate, espaço onde se abriga o fenômeno da criação artística. 

Acreditando muito nesse trabalho e em outros que haverão de acontecer, agradeço a todos que possibilitaram esse evento. 



Robson Soares
Curador

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