Imprensa - Miguel Gontijo por Débora Fantini

Publicado no Pampulha em 21/05/2011



FOTO: FOTOS CRISTIANO TRAD
"A gente nasce com o presente que é viver. Se a arte chegou às minhas mãos, tenho de fazer acontecer", afirma Miguel Gontijo, prestes a receber, na terça-feira (24), o Prêmio Mario Pedrosa 2010, concedido pela Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). "Pra minha surpresa, eu, um cara do Dom Cabral, ganhei de dois artistas fortes na mídia", comenta, referindo-se aos outros indicados, Vik Muniz e Laura Lima.
A arte chegou às mãos desse mineiro de Santo Antônio do Monte na juventude, já em Belo Horizonte. No final dos anos 1960, Gontijo se matriculou em um curso livre que acreditava ser de história da arte. A aula era de desenho, mas ele acabou ficando, vencido pela insistência da professora, a artista Odila Fontes. "Primeiro, fiz uma mulherzinha numa folha enorme. Então a Odila me devolveu, dizendo para eu encher o papel. Aí sobrou braço e perna para todo lado, e nasceu em mim a vontade de desenhar", lembra. Três meses depois, o artista iniciante receberia seu primeiro prêmio em um salão e finalmente iria cursar história, "para poder entender o que era arte".
Ao longo das quatro décadas seguintes, paralelamente ao trabalho na área de processamento de dados, Gontijo consolidou sua carreira artística. Nos anos 1970, sua pintura saturada de imagens - encontros dos quadrinhos de Robert Crumb, da Pop Art e da iconografia barroca - recebeu inúmeros prêmios. Na contracorrente da expressiva e gestual geração 80, dedicou-se a uma arte intimista e, na virada para a década seguinte, à revelia de colecionadores e galeristas, abandonou a aquarela pela pintura.
Gontijo define-se como "pintor-desenhista", por não ter preocupação com correção técnica. "Minha luz é errada, entra no quadro por todos os lados", descreve ele, que recusa o rótulo de surrealista tardio. "Meu quadro não está ligado ao onírico, mas ao real. E com humor".
Marcantes em sua formação, os livros vêm tomando força como suporte para sua arte, seja exercitando diferentes formatos de encadernação, seja "mutilando" - a estilete, fogo ou corretivo ortográfico - volumes de uma enciclopédia que perdeu lugar para a internet.
Aos 62 anos, Gontijo curte a dedicação integral à arte, criando "obsessivamente" em seu ateliê. Mas sem isolar-se - uma pintura recente sua, feita com Leo Brizola, poderá ser vista a partir de sexta-feira (27) em Belo Horizonte, na coletiva "Atropelamentos".
Colecionador
"Neste coisário, que até já esteve numa exposição chamada ‘Armarinho São Miguel’, coloco objetos que depois vão para os meus quadros, como modelos. São coisas que compro, acho, ganho. Não peço nada, mas quando veem o entusiasmo no meu olhar em relação a algo, me dão, porque sabem que vai para alguma obra. Acho que sacralizo o profano, dou dignidade para qualquer coisa que me chega às mãos".
Família
"Somos nós neste quadro: eu, a Lete, minha mulher, e minhas filhas Mariana (fonoaudióloga) e Clara (designer), que pintou a tela quando criança, sem ter qualquer preocupação em ser artista ou em fazer arte, e me deu de presente de Dia dos Pais. Este talvez seja o quadro de que mais gosto".
Efeito sanfona
"Estudei música até os 15 anos, aí veio aquele meu preconceito: ‘tocador de sanfona com os Beatles na moda?’. Desenterrei o instrumento depois de velho e hoje gosto de tocar valsinhas da época da Segunda Guerra. Apesar de ter achado que um dia seria músico, não consigo pintar escutando nenhuma música, é a grande contradição da minha vida".
Meninice
Meninice "Lendo ‘Reinações de Narizinho’ descobri o Brasil, as diferenças entre classes sociais, a aventura. Lá em Santo Antônio do Monte, não tínhamos acesso a nada visual, mas meus pais foram cuidadosos: o que tinha de melhor em livros, eles mandavam buscar. Eu era um chato, não jogava bola, sofria bullying e brincava sozinho de soldadinho de chumbo, pensando: qualquer dia eu vou à luta".
Aprendizado
"Aprendi a ler sozinho, por um processo que não sei qual foi. Minha mãe achava que eu sabia de cor, até que duvidou da minha memória e me deu uma revista do Pato Donald. Na escola, a professora mostrava um cartaz como se fosse novidade, mas eu lia com fluência. Por outro lado, não sabia somar 2 mais 2. Minha mãe então resolveu me ensinar música e, aí, entendi o processo, porque os compassos se dividem".

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