Babel - Críticas - Por inês de Melo Sá e Marcos Pedroso

Falando com Miguel.
Busco e uso arte como redenção, deglutindo Miguéis com meu coração de gelatina e meu nadassaber, minhas duas moedas para negociar travessia de rio quando eu souber sabedoria. Como eu já disse antes, chego assim meio desconfiada, entrando pela coxia ou pelas bordas dos sagrados palcos onde coragens se desnudam para ser pensados e tocados por passantes ou críticos, mas todos nós tão pouco sabemos e comemos arte para não morrer comuns e tristes, agarrados no fio de Ariadne, é claro.

E aí vem o Miguel que aponta contundente dedo para feridas enquanto incide arte. O sacrifício, a comunhão, Agnus Dei que tiraste os pacatos de cena, the cucKoo’s nest. Interfaces e intertextos, fragmentados Picassos, conspurcações e questões em aberto. Mesmo nos altares e totens, os pensadores tem as cabeças a prêmio e muitas mãos igualam e confundem brancas vestes envolvidas em panos e tinta. Vi Artur Bispo fixado numa Babel de impecáveis brancos e eu acho que ele os pensou azuis dos panos dos dementes, obsessivos fios compulsivamente travestindo o ordinário, o quotidiano pobre. Nem seus olhos levantou para mim e acho que está morando lá.

Na transgressão de linhas e instituições, a reinvenção me chama e instiga, já que não tenho mais como dar passos para trás. Procuro-me e procurem-me, debrucem-se. Afinal, a Torre de Babel e as outras duas também caíram e ficaram naquilo que se perde ou se despreza e que reencontramos sempre nas pregas das idades.

A arte não como deleite, mesmo que a beleza desses traços seja inquestionável e o talento arregaçado exposto junto às feridas da existência. Posso novamente adentrar esse universo inquietante, incorporar o trabalho tecido na eterna roda que os buscadores acreditam ser parâmetro ou portal, comungar com Miguel dessa bandeja oferecida em cerimonial bonito e se não me decifrares...decifra-te.

Passo os dias arquitetando, tecendo de dia e desmanchando os pontos à noite no aguardo de retornos, editando imagens e palavras, divisando sóis nascentes ou correndo atrás sei lá de quê. Quando vou às suas mostras, vou buscando se não alimento, algumas possíveis direções. E é sempre impactante pelas composições insólitas ou por alguma cutucada nova, varas de pescar para os resgates que posso querer ou não, mas que me deixam matutando parada nessa beira de rio do existir.

Nesse maio dia 23, fui ao Palácio das Artes e encontrei mais de um minotauro pelos labirintos encenados, rotas e mapas, tudo por um fio. Guernicas, história e estórias variando pelo espaço calmo, em contraponto com o barulhão que seus trabalhos fazem. Muita ressonância com questões atuais na minha vida e nesse país; muito orgulho por conhecer você, um sentimento bom e aquela alegria que habita a gente quando a arte boa nos toma.

Feliz por você. Porque faz diferença, porque faz do trabalho incessante um alimento nosso e seu, e garanto que cada dia de sua vida continuará ventando oxigênio puro e bom.

Na abertura, infelizmente não fui. Aceito hoje os comandos que não são meus e que interferem nos planos que eu possa querer cumprir, mas preparei um tempo especial na minha agenda para essa viagem que eu não deixaria de fazer.

Obrigada pelo prazer de assistir a mais essa produção. Um beijo grande. Valeu demais.

(Ines Melo Sa -26\05\17 – recebido por e-mail)


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'Babel', do Miguel Gontijo é atordoante. Visceral, como esse tempo que gira em todos os sentidos, e nenhuma direção. Tempo em que, literalmente, a carne é fraca, pois sem alma, apodrece no sol capital insano. Em um mundo atado à ilusão virtual, poucos se tocam, muitos trocam o vazio de lugar no balcão iluminado da suas pirotecnias mundanas. Ah ! Velho Marx..valor de uso e de troca, sem coisa, sem mercadoria na mão, sem tocar em nada e ninguém. A carne é fraca. A obra do Miguel...franca, intensa e doída...o bicho é esse, em todos os andares da sua água rasa e pretensa eternidade.

(Marcos Pedroso – Facebook em 14 - -6 – 17)


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