Exposição virtual: Cinema: ‘O Esconderijo de Satyricon’, de Miguel Gontijo

O artista mineiro Miguel Gontijo traz para o Cine Theatro Brasil Vallourec sua exposição chamada “Cinema”, ou: “O Esconderijo de Satyricon”.

O artista sentia um grande encanto nas pesadas cortinas dos cinemas. Normalmente, vermelhas, pesadas, barrocas. Era a porta de entrada e saída à um encantamento. Eram elas que completavam emoções, que iriam iniciar, ou terminar. Um movimento a nos fazer submissos a futuros acontecimentos, contidos dentro de uma sala escura.

Ao abri-la, o filme já projetado nela, deixava transparecer imagens, vozes e sons triunfantes, tomando conta de todo o espaço do olho, transportando-nos, enquanto exibia: ‘Atlântida apresenta’, e nos dois lados do letreiro fontes jorravam. Além do impacto da apresentação triunfante, a cortina oferecia outra perspectiva, retalhando a imagem, embaralhando-a e revelando, aos poucos, o que viria acontecer. E o árido pano branco da tela enchia-se de vida.

Se não era a apoteótica Atlântida, aparecia emaranhado, assustado nas pregas do tecido, que abriam, um urubu da Pelmex, enxotado pela plateia, freneticamente: – xô xô! Depois de vivenciar encantamentos, no final do filme, somos devolvidos à realidade e era a cortina que dissolvia a imagem, em um gótico “The End”.

A cortina é a porta de entrada da vida de artista, do garoto Miguel, aprendendo a arte de ser voyager.

Miguel está mostrando uma série de desenho, feito ao longo do tempo. Ele gostaria de ter feito cinema, mas a vida o empurrou para outro lado e ele, ao fazer seus desenhos, disse que gostaria de ter o maço e o cinzel do seu xará – Miguel Buonarotti – para repetir as suas palavras: – Parla! e, assim suas imagens ganharem vida e movimentos. Incapaz de produzir esses movimentos nos seus desenhos, ele tapeou as suas imagens, dando a elas o movimento das palavras.

Sua exposição “Cinema” trata-se de fatos atemporais, clássicos e épicos, banais e cotidianos, vulgares e distintos, saudáveis e neuróticos, coadjuvantes e protagonistas, mocinhos e bandidos. Cada coisa é povoada de uma dupla face, cujo tema essencial é a realização. São histórias niilistas, divididas, miticamente providas de personagens antagonistas. Instalado no âmago das contradições das imagens e de seus textos, Miguel assume a máscara literária, e vai, ao mesmo tempo, apontando-a.

O que ele espera, com o seu trabalho, é que seja decifrado, o mais próximo possível, de uma composição poética.

Em 1970, aqui no Cine Brasil, ele assistiu ao filme Satyricon, do seu diretor preferido, Fellini. Esse filme renovou seu olhar. Satyricon é uma obra da literatura latina, de autoria do prosador romano Petrônio, escrita próximo do ano 60 d.C, que descreve as aventuras do narrador. Esse livro foi encontrado em fragmentos, e a construção desse filme, na década de 1970, por Fellini, também é toda fragmentada.

Há uma atmosfera onírica, como um sonho descontínuo, surreal e num tom psicodélico e lisérgico…. nesse dia, por detrás da cortina, estava abrigado todo o Império Romano… quando acabou de ver o filme, escreveu esse poema:

“A Metro-Goldwyn-Mayer sabe que durante a noite as ruas escancaram suas partes íntimas.
Por isso filmes são apresentados em salas escuras.
E, por detrás de pesadas cortinas,
por trás do écran, Ton come Jerry
assim como Frajola come Piu Piu
Crusoe come Sexta Feira
Batman come Robin
Tarzan come a Jane
e alguém que não conheço também come alguém que não conheço
Sansão comeu Dalila
e só João não comeu Salomé.
Acho que era vegetariano, assim como a maioria dos santos vaticanais.
Escrevo isso como uma tentativa de explicar o mundo.
Acho que consegui!”

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